domingo, 28 de agosto de 2011

Rabiscando Horizontes


Arte: © Gabriel Pacheco

Indecisa. Achei que tivesse virado um fantasma nas últimas semanas. Tinha medo de fechar os olhos e não te encontrar mais. Passei a noite em claro acendendo e apagando a luz do abajur, vendo a caneta se virar de um lado para o outro com simulada displicência. Sobre a escrivaninha, uma fila de rabiscos que dobravam os quarteirões, tentando decifrar um fio de voz que parecia vindo de uma cisterna abissal. Como é difícil calar a voz de dentro. Mas não consigo me arrepender das decisões que tomei em relação ao amor. Elas me levaram até você. Às vezes fico tateando o escuro, à procura de palavras que se derramam pelos cantos da boca como uma nascente de cobre líquido. Não existem. Tenho medo de me calar e as palavras acabarem morrendo em meus lábios, esfarinhando-se em sopros de sombra inclinados. Há paixões que honram quem as inspira. Quando voltar, a gente podia se ver no mar. Naquele tom azul celeste que você tanto gosta. Mergulho no passado, recordando-me do naufrágio de nossas vidas. Nado contra a maré, que me leva insistentemente para o lugar onde havíamos estado. Naquele mesmo mar de esperanças que refluem dia após dia, afastando-nos do ponto final. O coração é a única coisa que nos une. Cada batida é uma martelada surda que lança nos ares uma poeira reluzente de lapidação de esmeraldas. E para onde quer que eu vá o pó colorido das boas lembranças que conservo de nós dois, rebrilha. Vou indo, amor. Preciso terminar a sua estátua. Não quero acordar amanhã e pensar em você como se nunca tivesse existido. Vou imortalizá-lo em mim para que nada mais possa nos separar. Esta ausência é só um pesadelo amor, vou estar aqui quando você acordar. Tem dias, que meus olhos escurecem como se não tivessem fundo. Dói. Mas recobro a serenidade e descubro que dor é a única certeza de que este amor ainda está vivo. E nós, só estamos aqui para possibilitar.



P.S.: Eu te amo, amor. Em agosto, te amarei ainda mais.


Para sempre,


12 comentários:

  1. Imaginem uma forma de expressão artística baseada na palavra, essa é a Pipa, de fato seus versos são fortes, vibrantes, e controem o clima
    de encantamento poético.

    Na vida da Pipa a paixão quis sangue e corações partidos. E desde então viaja pela galáxia de mochila nas costas e seu Toráh.

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  2. Leo Macedo,

    Você acabou de fazer um talhe na madeira cinzelada de minha memória. Uma nuvem vermelho - escarlate está se espalhando como sangue derramado pela testa. O bisturi-palavra me recorda. A tarde está se esvaindo em lágrimas. Turvas, escuras e supersticiosas.

    De companheiros, o pássaro azul-marinho para quem dediquei este texto, hoje é apenas um estrangeiro.


    Permita-me abaixar os olhos Leo. É que um mar de sentimentos corre-me por dentro. Jorro de águas salgadas. Ondas sucessivas. Peso. Afogamento.


    Um abraço emocionado.

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  3. Nunca li um texto tão profundo. E de certo modo, lembrou-me alguns de meus dias

    Beijos

    Maya Quaresma
    http://www.sobaluzdalua.blogspot.com/

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  4. Que texto maravilhoso! Tão intenso e suave!


    "Quando voltar, a gente podia se ver no mar. Naquele tom azul celeste que você tanto gosta."

    A gente bem que podia.

    Amei imensamente!

    um beeijo*

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  5. Os agostos são propícios para o AMOR>
    Que delícia de texto! Adorei!
    Abraços

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  6. Oi, achei lindo esse blog aqui.

    Belas palavras Lidia.

    Beijo a todos,lindo resto de semana!

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  7. Bem vinda ao Femino, Pipa!

    Bendito Leo que nos brinda com tuas palavras.

    Palavras que vão além do dizível e tocam o inexplicável. O amor, ao seu modo, é tomado por elas.

    Beijos!

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  8. Um texto magnífico trazido pelo Leo, alguém que conheço(çi) e de quem conheço os talentos, pela autora apaixonei-me agora.

    Beijinho e saudades a muitos de vós.

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  9. Imensamente verdadeiro. O amor que transforma o mundo! Beijo ***

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