domingo, 21 de agosto de 2011

A flor



Imaginemos um quebra-cabeça; duas pessoas se unem para montá-lo. As peças sortidas despertam enorme curiosidade. É um desafio e uma aventura agrupá-las. Na medida em que a imagem vai se formando a dupla vai sentindo mais segurança e intimidade ao encaixá-las; visualizam um cenário: o amor. Mas faltam peças, o quebra-cabeça está incompleto.

A superfície de agrupamento tem fundo escuro. Os espaços vazios representam a sombra. A sombra é a ausência de luz necessária para uma flor desabrochar. Cultivar a sombra é nutrir o vazio que se precisa para florescer.

Só é possível florescer no vazio dando sentido à imaginação. A flor é a peça que falta para completar o cenário, mas obtê-la é vê-la murchar. Ela existe envolta de mistério, transgressão e perigo. Sem ela os ventos não teriam liberdade para circular no jardim. Embora seja tentador agrupá-la às outras peças, corre-se o risco de destruir todo resto.

Os ventos são o eixo de equilíbrio do nosso cenário. Permitem imaginá-lo completo e em outras estações. Conferem a incerteza necessária para que a flor exista e permaneça lá sem ser arrancada, temos a consciência de sua beleza e optamos por apreciá-la somente, validando e confirmando nossa escolha pela falta.

(...) Poucos querem o amor, porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões. Há os que se voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor. E não é prêmio, por isso não envaidece, amor não é prêmio, é uma condição concedida exclusivamente para aqueles que, sem ele, corromperiam o ovo com a dor pessoal. Isso não faz do amor uma exceção honrosa; ele é exatamente concedido aos maus agentes, àqueles que atrapalhariam tudo se não lhes fosse permitido adivinhar vagamente. (Clarice Lispector: O ovo e a galinha. In: Felicidade Clandestina, p. 55)


6 comentários:

  1. Lívia, não sei se entendi, mas sei que o texto é pra se pensar...
    Quanto a Clarice, essa melancolia dela não me faz bem, talvez porque eu seja muito parecida com ela. (na melancolia. Quisera ser, também, na capacidade de escrever).
    No quebra-cabeça da vida, o bom é mesmo juntar
    as peças com a pessoa amada. O que se formará à nossa vista depende de nós.
    Bom domingo! (Saudade, viu? Tivemos pouco tempo para nós.)

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    EXTRA BLOG :)

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  3. Quando se tem todas as peças, não há mais o que fazer. A 'brincadeira' perde a graça.

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  4. Lívia, que texto magnifico, ele mesmo é como um quebra cabeças. mas me despertou a sombra, eu nunca havia pensado na sombra dessa maneira, dar cor ao fundo, dar vida à sombra, gosto disso e bem sabes. É gostoso quando não completamos, quando o cachorro come uma peça, o encanto e a procura ficam por muito tempo...

    Beeeijo Livia!!!

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Ai, Clarice.
    Ai, Lívia.

    A maneira como você pintou a flor, o amor, o quebra-cabeça, prendeu minha atenção. Ficaria aqui até a eternidade.

    A poesia escorre nas palavras do teu texto. Tão doce. Tão real. Tão lindo.
    A maneira como você pintou a flor, o amor, o quebra-cabeça, prendeu minha atenção. Ficaria aqui até a eternidade.

    A poesia escorre nas palavras do teu texto. Tão doce. Tão real. Tão lindo.

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